lavar a alma no rio

num fim de semana sem grandes fundos mas enorme vontade de fugir, a tenda entrou no carro e com ela entrámos nós, depois de uma noite descansada, sem pressa de acordar.
uma hora e pouco. uma hora e pouco de caminho chegou. A1, A23... depois, seguir as placas, ou à falta delas, ir em frente e rezar.

eu gosto de acampar. não gosto é do que as pessoas fazem aos parques de campismo. mas o de Constância foi a primeira surpresa agradável: limpo, sossegado, pequenino, cheio de sombras de árvores, à beira-rio e com papel higiénico [!!!]
depois de assentar arraiais com a nova tenda-2-segundos-cuidado-que-quando-abres-pode-vazar-uma-vista, um cafézinho e jornal na esplanada. quando o ritmo do carro já não se sentia no corpo, voltámos à estrada, que o 40 queria fazer uma surpresa.

o bom destas zonas não é seguir o mapa. é seguir estrada fora e ir perguntando pelo caminho. ver as caras que nos cruzam e as vidas que não imaginamos. a barragem de castelo de bode, a ilha do lombo, as paisagens imponentes, os vilarejos. poppa mundi de pop dell'arte no leitor.



Dornes. uma baía no meio do rio Zêzere. uma torre quase milenar e um casario branco encosta abaixo. um sorriso perfeito onde repousar.



no meio do sossego acabou-se o tabaco. à porta de um café, uma rapariga responde que já não tem para vender, mas que se quisermos nos dá um cigarro. a pé, sempre a pé, procuramos então a casa de pasto que vimos à chegada. o cheiro da comida caseira faz-nos sentar na esplanada do único sítio da aldeia que está aberto à noite. e os bifes que chegam, pelas mãos atrapalhadas do que descobrimos ser o ai-jesus das meninas da terra, como que saídos da cozinha de uma avó, com batata acabada de fritar, alhinho laminado, o chuto calórico a que se tem direito...



ali, todos se recostam e repousam as barrigas, acompanhados de uma imperial ou de um quartilho de aguardente, do lado de cá, que está mais fresco, a ver a bola pela janela. as meninas chegam penteadas e por ali vagueiam à espera de dois dedos de conversa com o moço que serve às mesas. sem sorte, que isto em dias de bola já se sabe. os cartazes anunciam festa rija numa povoação qualquer, com "música até altas horas", e um rally paper com prémios como "uma taça e porco assado para 70 pessoas", ou "um fim de semana para duas pessoas e um presunto". não há como não rir.

depois de aconchegar os estômagos, regressa-se ao carro devagar, para desmoer e absorver os reflexos que surpreendem sempre, porque o rio não dorme. num café mais abaixo, já estão fechados. quer dizer... quase... :)



ao sair, uma inversão de marcha impõe-nos uma daquelas coisas que enchem a alma só de pensar que existem. o 40 sai a correr do carro. desliga-se o motor e fazem-se mais tatuagens digitais. deixamos o chapinhar e as cigarras embalar o obturador. mas nem tudo se capta nas imagens.



no meio do caminho, uma surpresa, cheia de cores, música, rifas e... algodão doce! mais uma paragem para outra dose de mimo, danças e poeira nos pés... eu ganhei um balão...



encontrando desta vez a estrada certa, em meia hora de volta a Constância. tempo para uns passeios pela vila à noite, aproveitando o silêncio e pacatez que fazem bem à alma, pintada de luzes amarelas, becos de casas bonitas, ruelas estreitas de empedrado. naquelas calçadas a certeza é de que o rio fica ali em baixo.



noite sossegada, abençoada pela lua. nem frio nem calor. noite descansada. de manhã, acordar, fazer o café no fogãozinho, comer umas sandes compradas no café do parque, ala que se faz tarde para o rio. águas límpidas, chão de seixos [felizmente levámos chinelos], e mais uma vez o sossego. é inimaginável o desporto olímpico que se tornou atirar as pedrinhas, tentando fazê-las saltitar por cima da água.



quando o sol começou a fugir, tempo para um café e umas queijadinhas de amêndoa, laranja, noz na praça central. de sorriso aliviado debaixo do braço, regresso a casa. e a promessa de um dia de canoagem para breve.

parque de campismo [tenda, 2 pessoas, 1 noite] - 5€
gasolina [mais ou menos 250km] - 25€
portagens [classe1] - cerca de 10€
jantar em Dornes [2 pratos, 2 bebidas, 2 cafés] - 12€
cafés, sandochas, jornais e quejandos - não estávamos a contar assim tão minuciosamente...